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O CONHECIMENTO E AS ESCOLAS CERVEJEIRAS

Igor Suruagy

8 de abr. de 2020

BREVES ASPÉCTOS HISTÓRICOS

O conhecimento é a base para o desenvolvimento de toda habilidade em qualquer seara. Sua evolução decorre, essencialmente, da experiência e de registros de erros e acertos que se repetem, que são corrigidos, que se amoldam e que, via de regra, formam um padrão aceitável e replicável.

 

A transferência de conhecimentos oportuniza o crescimento de um conjunto de informações, fazendo com que mais pessoas se conectem e tenham uma convicção sobre determinado assunto, tornando-o pacífico e afastando-o do anonimato.

 

No mundo cervejeiro, tais premissas são fundamentais e inegavelmente aplicáveis. Quanto mais conhecimento se transfere, mais se propaga a cultura cervejeira. Quanto mais a cultura é conhecida, maior é a diversidade e interesse neste nicho. E quanto maior o nicho, maior a circulação de informações e, consequentemente, de conhecimento.

 

Não por acaso as nuances de estilos e de escolas cervejeiras foram detidamente analisadas, estudadas, catalogadas e vêm sendo difundidas. Estes são padrões modernos que demonstram que o conhecimento e a difusão do estudo da cerveja colaboram para a melhoria e evolução do protagonista deste enredo, aquele que degusta a cerveja, o consumidor.

 

Por outro lado, em tempos remotos, a falta de conhecimento alavancou e valorizou a cerveja. Em épocas de morte por ingestão de águas contaminadas, especialmente na idade média, a falta de conhecimento de que a água, em temperaturas elevadas, eliminava os microrganismos ofensivos à saúde fez com que a cerveja fosse valorizada, e que salvasse vidas, sem que ao menos se soubesse o porquê.

 

Percebe-se, assim, que desde longa data a cultura da cerveja vem arraigada à evolução do conhecimento humano, iniciando-se com a sua descoberta acidental, sendo daí tratada como alimento abençoado, para depois ser utilizada como moeda de troca, posteriormente considerada bebida que evitava a morte, dentre outros motes, até que evoluísse ao atual e encantador cenário, onde se tem uma diversidade de formas de produção e de estilos que enchem os olhos e aguçam a curiosidade e o paladar alheio.

 

Os costumes, conhecimentos, técnicas e ingredientes de cada local deram origem ao que se convencionou chamar de escolas cervejeiras. Nelas se solidificaram características específicas de cada localidade, tudo baseado no conhecimento e cultura nativa, assim como na forma de se produzir e obviamente nos ingredientes disponíveis e o clima oferecidos por cada região.

 

Hoje temos uma divisão clássica de quatro grandes escolas: A alemã; a Belga, ou Franco /Belga; a Inglesa e a Americana. Cada uma tem suas características, ingredientes próprios e formas de produção, o que lhes conferem peculiaridades capazes de distinguir umas das outras de forma relativamente simples.

 

A Escola Alemã

 

A Escola Alemã preza pela tradição. Pensar em Leis específicas que regulamentam a produção cervejeira é demonstrar o quão importante essa bebida é para sua população. Se preocupar em manter métodos clássicos de produção e a qualidade de ingredientes básicos é um dos fundamentos da escola alemã. Prezar por tradição e qualidade, essa é sua marca. Uma escola que tem como característica a exigibilidade do uso, para a produção de cerveja, de um famoso quarteto do mundo cervejeiro, o malte, a água, o lúpulo e a levedura, e nada mais. Tratamos aqui da Reinheitsgebot, a chamada Lei da pureza alemã, onde a produção de cerveja não poderia conter nada além dos três primeiros elementos, sendo o quarto incluído assim que se descobriu que a fermentação não se dava espontaneamente, mas sim em função da levedura. Até hoje as cervejas alemãs, destinadas ao consumo interno, devem seguir a Reinheitsgebot. O que não significa que é proibida a produção e comercialização de bebidas fora de suas regras, estas apenas não podem chegar às prateleiras alemãs com a nomenclatura de cerveja, devendo serem chamadas de bebidas alcoólicas fermentadas ou algo similar.

 

A Escola Belga

 

Já a Escola Belga seguiu o fluxo contrário à Escola Alemã no que se refere à delimitação de insumos no processo produtivo. Trata-se de uma escola com notável influência religiosa, através da dedicação de monges no estudo e produção da cerveja. A inventividade grita a plenos pulmões nas cercanias cervejeiras belgas. Conhecida como o paraíso cervejeiro não por acaso, a Bélgica traz juntamente com suas cervejas toda uma cultura e peculiaridades inconfundíveis, notadamente em razão de sua natural esquiva à Lei da pureza alemã, por não ter pertencido ao Império Germânico nos primórdios tempos em que estava inserta na então nominada região da Gália, o que possibilitou a utilização de outros elementos que não apenas água, malte, levedura e lúpulo, exigências da chamada Reinheitsgebot (Lei da pureza alemã), criando assim uma diversidade na sua produção. A complexidade empregada nas cervejas é sua marca. Geralmente com alto teor alcoólico e com a indubitável presença dos ésteres decorrentes do processo de alta fermentação. A criatividade é também uma característica desta escola. A utilização de frutas, especiarias, condimentos e também de fermentações espontâneas não negam sua inventividade e justificam toda a sua adoração global.

 

A Escola Inglesa

 

A Escola Inglesa é predominantemente mantida pela tradição das Ales (Real Ales ou Cask Ales), cervejas de fermentação alta, que eram servidas diretamente em barris de madeira que geralmente ficavam nos subsolos dos pubs ingleses. Inicialmente, a fabricação das ales, assim como os pães, figuravam como tarefa apenas destinadas às mulheres, de modo que era uma atividade eminentemente doméstica e que tencionava o consumo da unidade familiar. Com esta estirpe de produção feminina, criou-se uma nomenclatura para as mulheres que exerciam tal atividade, sendo chamadas de alewives – ou “esposas cervejeiras”, que posteriormente passaram a servir as bebidas em alehouses, que posteriormente se transformaram em public houses, ou Pubs. Diante do crescimento do interesse geral pela produção caseira, o mercado local logo enxergou uma possibilidade rentável de negócio, e os homens meteram o bedelho nos assuntos, até então apenas feminino, e puseram fim ao tempo das alewives. Com o passar dos tempos as cervejas tomaram notoriedade e passaram a ser vistas como uma forma de moeda de troca, assim como uma possibilidade de comércio extremamente rentável.

 

A Escola Americana

 

Para a Escola Americana, a irmã caçula do grupo, tem-se por pacífico que o movimento cervejeiro ganhou maiores proporções por influência da escola inglesa. Os britânicos, juntamente com holandeses, montaram diversas fábricas de cerveja em solo americano, fazendo com que a cultura cervejeira prevalecesse em relação ao vinho. O cenário cervejeiro americano sofreu forte baque em razão do período nefasto da Lei Seca (prohibition), verificando uma queda vertiginosa na quantidade de cervejarias em seu território. Hoje, e em razão da liberação da produção de cerveja em casa,  pode-se dizer que o movimento dos homebrewers alavancou a produção e criação de novos estilos de cerveja, sempre objetivando novas experiências, quase sempre aplicando o extremismo no uso dos insumos e na inovação de técnicas de produção.

 

 

 

Assim, de forma suscinta, e tomando a matéria mais pelo o foco histórico, vimos que cada escola tem suas peculiaridades. E que, por muitas vezes, se entrelaçam ou até mesmo tomam emprestadas algumas características umas das outras. Esta é a beleza da Cerveja. Nela, nada é absoluto, tudo é absolutamente fascinante.

 

Apesar de curto, o presente artigo foi produzido para incentivar a disseminação do conhecimento cervejeiro, especialmente neste nosso portal de comunicação, fazendo com que nossa missão alcance seu objetivo maior, que é levar informação a todos, preservando a história, a cultura e colocando ao alcance de todos os nossos conhecimentos cervejeiros, como bons e altruístas amantes da cerveja que somos.

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